quinta-feira, 12 de junho de 2008

A fábrica do poema.

Sonho o poema de arquitetura ideal, cuja própria nata de cimento encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair faíscas das britas e leite das pedras. Acordo. E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo. Acordo. O prédio, pedra e cal, esvoaça como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se, cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido. Acordo. E o poema-miragem se desfaz desconstruído como se nunca houvera sido. Acordo. Os olhos chumbados pelo mingau das almas e os ouvidos moucos, assim é que saio dos sucessivos sonos: vão-se os anéis de fumo de ópio, e ficam-me os dedos estarrecidos. Metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros sumidos no sorvedouro. Não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita no topo fantasma da torre de vigia, nem a simulação de se afundar no sono, nem dormir deveras. Pois a questão-chave é: sob que máscara retornará o recalcado?

Adriana Calcanhotto

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